30/07/2008

A sala azul

Cheia de tecnologia
Silêncio...
Soro
Ping, ping, ping
A enfermeira confere a pressão do paciente em jejum
12 por 8
Silêncio...
O medidor de batimentos cardíacos é ligado
Tum tum, tum tum, tum tum
Tudo está normalizado
Os médicos chegam
Conversas
Tudo é ligado ao mesmo tempo
Tum tum ping tum tum ping tum tum ping
Três anestesias
Os olhos do paciente fecham
Conversas e ruídos
Tudo fica escuro
Escuro, muito escuro
Olhos pesados, pesados
O paciente dorme
Tudo fica bem, afinal, ele acorda
E não está mais na sala azul
Ainda bem
Tudo foi feito
E não doeu nadinha

25/07/2008

Dercy: O melhor “palavrão” dos brasileiros


É fato que uma das melhores atrizes e comediantes que tivemos no Brasil se foi após um século de vida. 100 anos de uma vida irreverente, polêmica, alegre, mas, sobretudo, do cacete. A carioca da gema Dercy Gonçalves não deixava por menos e era uma mulher que não levava desaforo pra casa. No entanto, no programa “Nada além da verdade”, exibido na popular TV do “homem do baú”, mostrou sua intimidade ao extremo e conquistou o prêmio mais alto por ter falado a verdade até o fim.
Dercy, em vida, era sinônimo de palavrões e piadas escrachadas, mas tinha uma inteligência de invejar muitos intelectuais ou as pessoas que vivem do riso de uma platéia pra ganhar o pão de cada dia. Trocando em miúdos: Dercy é f... O verbo “estar” fica no presente porque ela estará entre nós que a acompanhamos até o túmulo, que necessariamente não precisa ter uma pirâmide em cima.
Dercy e sua família, pelo que acompanhei, já esperavam pela morte da comediante. O Brasil não. Talvez a maior falta seja sentida pelas pessoas que lotavam as casas de espetáculo por onde ela passava ou até mesmo nas arquibancadas do sambódromo do Rio de Janeiro com os seios à mostra, sem necessitar puxar a música da Adriana Calcanhoto: “Nada ficou no lugar...”
A intimidade de Dercy era mais do que os palavrões que ela soltava nos espetáculos. Ela soube educar tanto a família, que está tranqüila onde quer que estivesse. Chegou a admitir que faria qualquer coisa pela filha, no programa “Nada além da verdade”. Foi o programa que teve mais audiência, talvez uma das únicas vezes que Sílvio Santos acertou na TV.
Mas não estamos discutindo sobre o SBT e sim que Dercy nos deixou uma grande lição, assim como todos os grandes nomes que partem desta vida. Aproveitar a vida e cada momento como se fosse o último. Parece jargão, mas Dercy soube fazer isso como ninguém e é um dos exemplos mais perfeitos que tenho. Ela chegou a mais de um século de vida? Sabendo viver. Com infância difícil, Dercy alcançou o topo das atrizes e comediantes. É o combinado da genialidade com vontade de mudança.

13/07/2008

Dom Machado

“Está morto, podemos elogia-lo a vontade”. Esta frase célebre de Machado de Assis no conto “O empréstimo”, pode soar estranha para os ouvidos mais críticos das pessoas, porém é muito clara e contemporânea apesar de ter sido escrita no século XIX.
A frase, usada por Machado no conto, é utilizada para celebrar o próprio Machado de Assis. Apesar de sua morte temos que elogiá-lo muito e a vontade de nossa veia literária e, sobretudo, vontade para celebrar um dos escritores que mais contribuíram para a formação de um país mais culto e letrado.
Agora, por que celebrar Machado de Assis após 100 anos de sua morte? “Já faz tanto tempo!”, podem pensar alguns internautas de plantão. Exatamente por fazer muito tempo que se foi, sua presença inquietante continua entre nós, seja na literatura ou até no jornalismo.
No jornalismo? “Esse blogueiro é maluco”, também podem pensar outras pessoas. Machado foi mais do que escritor...foi jornalista. No Brasil desde o século XIX não era preciso ser jornalista para ter estilo era preciso ter estilo para ser jornalista.
É difícil aquele que nunca ouviu falar em Memórias Póstumas de Brás Cubas ou em Dom Casmurro. O último é meu preferido, se querem saber. É de uma magnitude plena e intensa. É uma obra deliciosa para ser saboreada pelos melhores paladares. Já assisti a peça de teatro da obra, o filme “Dom” – ignorado pelo público brasileiro de um filme de ótima qualidade – e me preparo para assistir “Capitu”, obra que vai ser exibida pela Rede Globo em agosto.
A dúvida é a mesma: traiu ou não traiu? Já li o livro e o que me atrai é essa dúvida pregada pelo autor. Tentaram perguntar para a estátua de Machado na FLIP, mas ela não respondeu...claro! Foi um Machado representado fielmente pelo ator contratado para homenagear o célebre escritor.
Existem várias versões...Bentinho era louco e Capitu era leviana. Capitu traiu e Bentinho não ficou por baixo. Mas tudo é revelado de uma forma que deixa o próprio leitor com dúvida. Quando me perguntam “traiu ou não traiu”, prefiro adotar a teoria de que na verdade “Machado traiu os leitores com o final”.
Ao contrário do que muitos pensam, não deixa de ser uma obra prima. É maravilhoso. Capitu está na música, na literatura, em meus textos, nos jornais, em tudo...Machado, que passei a estudar e me interessar mais por sua vida e obra, é o autor que me influencia em alguns textos e na forma de agir perante aos fatos (jornalísticos ou não).